domingo, 6 de setembro de 2015

6 meses de Irlanda, quase presa no Marrocos e outras coisas mais

9,686 quilômetros. Esse número representa quão longe eu estou de casa. Hoje faz seis meses que estou em Dublin e pela primeira vez tive a curiosidade de conferir quantos quilômetros me separa de tudo aquilo que mais amo na vida. Quando eu cheguei aqui era março e foi o mês mais intenso da minha vida. Assim que você junta algumas peças de roupa e cruza o oceano atrás de um sonho não imagina como vai ser difícil. Assim que pisei nessa terra gelada comecei a sentir algo que nunca tinha realmente sentido: medo.

 O processo de despedidas, embarque foi uma mistura de saudade, de alegria, tristeza. Eu lembro exatamente da sensação de pegar minhas malas na esteira do aeroporto e olhar para os lados e pensar: Pra onde eu vou agora? E sabe de uma coisa? Essa sensação é a melhor do mundo. Você não tem mais certeza de absolutamente nada. Tudo é novo. Quando digo tudo, é tudo. Você chega sem ter onde morar, sem ter trabalho. Chega com alguns trocos no bolso e com vontade de vencer no coração. E isso basta, amigos.

Os dias vão passando e você vai encontrando pessoas que você acha que não terão muito significado na sua vida e quando você percebe elas se tornaram seus melhores amigos. Um dia em Dublin foi o que bastou pra eu fazer uma amizade que vou levar para o resto da minha vida. E quanto mais você se expõe a tudo que está a sua volta, mais você encontra essas pessoas, mais você aumenta suas chances de ser feliz na vida nova que começou.

Já se foram seis meses. Seis meses de festas, viagens, de novos amigos, de trabalho duro. Nunca imaginei que ganharia a vida fazendo café, sanduiche. Aprendi a fazer latte, americado, macchiato, cappuccino. A primeira vez que fiquei sozinha no Starbucks estava aterrorizada. Com três papeis cheios de anotações. Se o cliente pedisse um Frappuccino de Caramelo eu tinha que olhar minhas anotações, colar mesmo. Hoje me divirto lembrando as minhas confusões com pedidos, confusões com os sotaques mais estranhos.  

Do que adianta meu diploma aqui? Do que adianta ser da família tal? Nada. Aqui eu sou a imigrante que precisa trabalhar e só. Eu e todos que trabalham comigo. Tudo na vida é possível quando a gente escolhe ser humilde e aprender. Aprendi a fazer café e outras coisas mais. Aprendi a dividir a casa com mais quatro pessoas. Aprendi a dividir com eles minhas alegrias e minhas angustias. Aprendi a ver neles a minha família aqui.

Enfim, eu queria conseguir fazer um texto com todas as situações que já vivi nesses seis meses de Irlanda. Não consigo. Muita coisa. Eu teria que censurar muitas histórias também... Minha vida mudou da água pro vinho... Ou melhor, da água pra Guinness (nossa, péssima né).  Só tenho que dizer que essa foi a melhor decisão da minha vida. E em nenhum momento me arrependo. E que se você tem o mesmo sonho que eu tenho, pare de inventar desculpas. A vida passa muito rápido para nos aprisionarmos em rotinas que odiamos.

Existe uma história que quero compartilhar com vocês. Claro que aconteceu na trip mais sensacional da minha vida. Marrocos! O que é aquele país, gente. Assim que você pisa no aeroporto já fica louco com todas as coisas diferentes. Chegando na cidade piora. Vira criança, olhando para todos os lados, tentando memorizar tudo porque a sensação de estar na África é única. Quando cheguei em Marrakesh só pensava em uma coisa: O Clone. Meu Deus, tô no projac! Jade, Tio Ali por todos os lugares.

As pessoas são incríveis. Lojas por todos os lugares. Gastei todos meus dihans (moeda local) comprando Pashmina e comendo Tajine. Você passa pelas lojas e deve evitar fazer contato visual com os vendedores. Se você olhar para qualquer peça exposta, tá frito! Eles vão te encher o saco até você comprar. Eu lembro que saia para comprar as lembrancinhas para a família. O preço de qualquer coisa começava em 400 dihans. Terminava em 30. É muito engraçado. Lá o negócio é pechinchar mesmo.

Ahh, tem tanta coisa para contar. Mas vou focar na história mais engraçada. Então, para se chegar ao deserto do Saara você precisa viajar muito. Quando digo ‘muito’ é MUITO mesmo. Torno de 12 horas. Eu pensei que o deserto era perto. Se estava em Marrakesh o deserto era logo ali. Tipo beira-mar. Beira-Saara. Mas não. E junte 12 horas de viagem (com pausas em outras cidades, pausa em hotéis) com um motorista louco, alta velocidade e precipícios ENORMES. Aventura total. Só uma coisa fez ficar mais emocionante: eu arrumar treta com a policia do Marrocos.

Estávamos nas estradas desertas do Marrocos, cenário igual ao desenho do Coiote e Papaléguas. Quando uma espécie de blitz parou a gente. O motorista da van parecia nervoso. Pensei: Ihhh, esse cara tá com o IPVA vencido. Certeza. Ficamos cerca de 15 minutos parados. O motorista desceu com alguns papeis. O guarda olhava, conversava com o outro, falava no rádio. E nada de liberar a gente. E eu ali, de olho. Entediada resolvi mexer na minha maquina, ver as minhas fotos. Só que eu tava apontando a câmera diretamente para os policiais.

Do nada um dos policiais saiu correndo e abriu a porta da van e começou a gritar em árabe apontando pra mim. E eu tipo: digo ué! Ai o motorista falou pra eu descer com a maquina. O que aconteceu foi que ele achou que eu estava tirando fotos deles. E é proibido tirar fotos dos policiais no Marrocos. Justamente porque há vários casos de pessoas que tiraram fotos suspeitas de policiais que recebiam propina. Que absurdo né? Policiais? Propina? Coisa que nunca vi no Brasil.

E vá provar pro cara que eu era inocente (será?). Eu gritava em inglês mostrando todas as fotos e ele gritava comigo em árabe. Confusão dos infernos. Eu acho que pela primeira vez na vida daquele policial uma mulher o enfrentou. Desci da van com sangue no olho. Se ele estava com medo é porque ali tinha alguma coisa, né.  Eu falava que não tinha tirado foto, ele falava – em árabe – que eu tinha gravado vídeo. E eu falava que não tinha gravado vídeo. Ele falava – em árabe – que então era foto. E assim foi... Ah, coisas normais que todo jornalista já passou. Mas não no MARROCOS, sendo MULHER. Ele quis tirar a câmera da minha mão. Pense numa pessoa rodando a baiana no deserto. Era eu. Gritei que minha maquina ele não tocava. Ih, gente. Foi engraçado para caramba. No final o nosso guia veio e explicou tudo e seguimos viagem.

Lógico que eu não deixaria o Marrocos sem uma tretinha na bagagem. Isso ai, gente. Escrevi para caramba já. 
Moral da história: abandone sua vida no Brasil e vá arrumar briga em árabe no deserto do Saara.
Até a próxima.

essa foto foi tirada por uma menina que estava na outra van. Ela viu a confusão e tirou uma foto de longe. Mal sabia ela que também estava correndo o risco de ser presa


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