Uma das coisas mais irônicas para as pessoas que moram fora
do país: longe de todos que conhecemos e de tudo aquilo que nos formou a gente
acaba não se importando mais com o que os outros pensam. Pelo menos os “outros”
do país onde moramos. É assim para mim. Outra grande vantagem é que nos
submetemos a situações que jamais enfrentaríamos na nossa zona de conforto, na
barra da saia da mamãe e do papai.
Ontem cheguei em casa de madrugada. Bolhas nos pés, fedendo
a lixo e muito cansada. Eu ia construir essa frase falando que eu nunca tinha
chegado assim em casa...Mas consegui me lembra de alguns momentos da vida em
que...deixa pra lá. Melhor: eu nunca tinha trabalhado e chegado em casa desse
jeito. Pronto!
The Script e Pharrel Williams fizeram um show aqui em
Dublin. E quem trabalhou no show ontem? Eu nunca imaginei que faria isso na
minha vida. Mas a oportunidade surgiu e eu me perguntei: Por que não? Essa
perguntinha pequena pode trazer grandes experiências para as nossas vidas. E lá
fui eu.
Primeiramente porque eu adoro Script e na minha vidinha
humilde de estudante na Europa , seria uma maneira de ver o show na FAIXA. Às 15 horas fui até o Croke Park onde
aconteceria o evento. MUITA GENTE. Filas de teenagers com camisetas de banda.
Cheiro de cachorro quente, pipoca... Pensei: vai ser divertido!
A manager da empresa chegou com camisetas. Uma das mulheres
responsáveis era uma romena que falava um inglês engraçado e juro: era igual a
Xuxa. Igualzinha. Ela era toda atrapalhada. Usava uma sombra esverdeada e lápis de olho da cor roxa. Super tendência.
Ela tinha dificuldades para contar quantos staff precisava. Mas pelo
menos era gente boa. Já a chefe dela, uma mulher morena, gordinha e bem
irish... era bem desagradável. Enfim, fomos separados em “times” para trabalhar
no estádio – que é enorme.
Alguns ficaram responsáveis por cuidar dos banheiros. Isso
inclui limpeza geral e também cuidar para não faltar papel, sabonete... Outros
ficariam nas entradas das arquibancadas limpando e varrendo. E outros ficariam
trocando as sacolas dos lixos espalhados pelo estádio e também juntando o que
fosse jogado no chão. Fiquei com o último.
O problema é que o plástico da sacola era muito fino e quase
sempre rasgava. Isso significava batata frita, cerveja, água, refrigerante,
tudo caindo no chão e na minha roupa. Mas ok, depois de um tempo criei meu
próprio jeito de retirar o lixo e deu tudo certo. Antes do show foi super busy.
Muita gente. Carrinhos de comida e cerveja em todos os lugares. Essa ideia que
a gente tem de europeus super educados, politizados e preocupados com o meio
ambiente caiu por terra. Eles são gente como gente! Haha também jogam lixo no
chão, deixam copos e garrafas de cerveja por todos os lados, não estão nem ai
mesmo. E lógico, alguém tem que juntar tudo isso do chão. E esse alguém era eu
e mais outros brasileiros, chineses e mexicanos.
O show começou e eu não pensei duas vezes. Fui curti a
música. O estádio estava lotado. O Croke Park tem capacidade para 83.300
pessoas. E estava entupido de gente. Na teoria eu não teria acesso ao pitch,
mas eu sou brasileira. Cheguei sorrindo, com minhas luvas amarelas e minha
camiseta de cleaner e a segurança me deixou passar. Acho que ficaram com pena,
sei lá. Com certeza me viram catando lixo e cantando as músicas. Foi até um
pouco emocionante. Eu costumava escutar a banda no meu carro, indo para meu
trabalho easy, vivendo minha vidinha mais ou menos. E ontem eu estava ali. A mesma
pessoa, mas não sendo a mesma pessoa.
Entre uma música e outra eu pegava uma garrafa. Eu sei que
não era certo eu estar ali. Mas não era como se eu me importasse, entende. Era
um freelance. Eu tenho trabalho fixo. O que eles iam fazer? Me mandar embora? I
don’t care.
Fogos de artificio explodiram. Chuva de prata no estádio inteiro.
Foi lindo. Foi lindo até eu saber que aquela chuva de prata ficaria no chão e
eu teria que juntar tudinho. Quando o show chegou ao fim e a galera deixou o
Croke Park...lá estávamos nós: juntando papel, bitucas de cigarro, garrafas e
tudo que você possa imaginar. Incrível a quantidade de coisas que as pessoas
deixam cair no show. O trabalho que começou às 16h só terminou perto da uma
hora da manhã. Pernas doendo, bunda doendo de me abaixar para pegar lixo,
mãos doendo e bolhas em todos os dedos do pé.
Mas não é por isso que resolvi escrever sobre esse trabalho. É pela experiência
que temos aqui.
Não tem melhor maneira de entender a vida. Muitas vezes
enquanto eu juntava e trocava os lixos, as pessoas não me respeitaram. Alguns
puxavam a bolsa com medo que eu fosse roubar. Outras chutavam as garrafas para
espalhar mais. E eu refletia: quantas vezes EU não fiz isso? Muitas vezes sem
pensar. Muitas vezes bêbada e não me importando com as pessoas que teriam que
fazer o trabalho que eu JAMAIS faria. Pois é, a vida muda. E graças a Deus nós
também.
Ser um invisível. Ser a pessoa que faz café toda a manhã
para os chefões de uma das maiores empresas de tecnologia e informática do
mundo. Ser a pessoa que troca o lixo e limpa o estádio depois dos eventos. Isso
muda muita coisa. Aqui não importa quem é a minha família, não importa meu
diploma, não importa quanto eu tenho guardado no banco. Nada importa. Por isso
morar fora muda as pessoas e muda a maneira como elas encaram a vida e como
tratam as pessoas – do chefe ao cleaner.
Ju... Não tenho dúvida de que a irmã que irei encontrar quando voltar será outra, espero também aprender a ser uma pessoa melhor com as suas experiências!
ResponderExcluirTenho muito orgulho de você e te amo demais.