domingo, 21 de junho de 2015

The Script, Staff e outras lições

Uma das coisas mais irônicas para as pessoas que moram fora do país: longe de todos que conhecemos e de tudo aquilo que nos formou a gente acaba não se importando mais com o que os outros pensam. Pelo menos os “outros” do país onde moramos. É assim para mim. Outra grande vantagem é que nos submetemos a situações que jamais enfrentaríamos na nossa zona de conforto, na barra da saia da mamãe e do papai.

Ontem cheguei em casa de madrugada. Bolhas nos pés, fedendo a lixo e muito cansada. Eu ia construir essa frase falando que eu nunca tinha chegado assim em casa...Mas consegui me lembra de alguns momentos da vida em que...deixa pra lá. Melhor: eu nunca tinha trabalhado e chegado em casa desse jeito. Pronto! 

The Script e Pharrel Williams fizeram um show aqui em Dublin. E quem trabalhou no show ontem? Eu nunca imaginei que faria isso na minha vida. Mas a oportunidade surgiu e eu me perguntei: Por que não? Essa perguntinha pequena pode trazer grandes experiências para as nossas vidas. E lá fui eu.
Primeiramente porque eu adoro Script e na minha vidinha humilde de estudante na Europa , seria uma maneira de ver o show na FAIXA.  Às 15 horas fui até o Croke Park onde aconteceria o evento. MUITA GENTE. Filas de teenagers com camisetas de banda. Cheiro de cachorro quente, pipoca... Pensei: vai ser divertido! 

A manager da empresa chegou com camisetas. Uma das mulheres responsáveis era uma romena que falava um inglês engraçado e juro: era igual a Xuxa. Igualzinha. Ela era toda atrapalhada. Usava uma sombra esverdeada e lápis de olho da cor roxa. Super tendência.  Ela tinha dificuldades para contar quantos staff precisava. Mas pelo menos era gente boa. Já a chefe dela, uma mulher morena, gordinha e bem irish... era bem desagradável. Enfim, fomos separados em “times” para trabalhar no estádio – que é enorme.

Alguns ficaram responsáveis por cuidar dos banheiros. Isso inclui limpeza geral e também cuidar para não faltar papel, sabonete... Outros ficariam nas entradas das arquibancadas limpando e varrendo. E outros ficariam trocando as sacolas dos lixos espalhados pelo estádio e também juntando o que fosse jogado no chão. Fiquei com o último.

O problema é que o plástico da sacola era muito fino e quase sempre rasgava. Isso significava batata frita, cerveja, água, refrigerante, tudo caindo no chão e na minha roupa. Mas ok, depois de um tempo criei meu próprio jeito de retirar o lixo e deu tudo certo. Antes do show foi super busy. Muita gente. Carrinhos de comida e cerveja em todos os lugares. Essa ideia que a gente tem de europeus super educados, politizados e preocupados com o meio ambiente caiu por terra. Eles são gente como gente! Haha também jogam lixo no chão, deixam copos e garrafas de cerveja por todos os lados, não estão nem ai mesmo. E lógico, alguém tem que juntar tudo isso do chão. E esse alguém era eu e mais outros brasileiros, chineses e mexicanos.

O show começou e eu não pensei duas vezes. Fui curti a música. O estádio estava lotado. O Croke Park tem capacidade para 83.300 pessoas. E estava entupido de gente. Na teoria eu não teria acesso ao pitch, mas eu sou brasileira. Cheguei sorrindo, com minhas luvas amarelas e minha camiseta de cleaner e a segurança me deixou passar. Acho que ficaram com pena, sei lá. Com certeza me viram catando lixo e cantando as músicas. Foi até um pouco emocionante. Eu costumava escutar a banda no meu carro, indo para meu trabalho easy, vivendo minha vidinha mais ou menos. E ontem eu estava ali. A mesma pessoa, mas não sendo a mesma pessoa.

Entre uma música e outra eu pegava uma garrafa. Eu sei que não era certo eu estar ali. Mas não era como se eu me importasse, entende. Era um freelance. Eu tenho trabalho fixo. O que eles iam fazer? Me mandar embora? I don’t care.

Fogos de artificio explodiram. Chuva de prata no estádio inteiro. Foi lindo. Foi lindo até eu saber que aquela chuva de prata ficaria no chão e eu teria que juntar tudinho. Quando o show chegou ao fim e a galera deixou o Croke Park...lá estávamos nós: juntando papel, bitucas de cigarro, garrafas e tudo que você possa imaginar. Incrível a quantidade de coisas que as pessoas deixam cair no show. O trabalho que começou às 16h só terminou perto da uma hora da manhã. Pernas doendo, bunda doendo de me abaixar para pegar lixo, mãos doendo e bolhas em todos os dedos do pé.  Mas não é por isso que resolvi escrever sobre esse trabalho. É pela experiência que temos aqui.

Não tem melhor maneira de entender a vida. Muitas vezes enquanto eu juntava e trocava os lixos, as pessoas não me respeitaram. Alguns puxavam a bolsa com medo que eu fosse roubar. Outras chutavam as garrafas para espalhar mais. E eu refletia: quantas vezes EU não fiz isso? Muitas vezes sem pensar. Muitas vezes bêbada e não me importando com as pessoas que teriam que fazer o trabalho que eu JAMAIS faria. Pois é, a vida muda. E graças a Deus nós também.


Ser um invisível. Ser a pessoa que faz café toda a manhã para os chefões de uma das maiores empresas de tecnologia e informática do mundo. Ser a pessoa que troca o lixo e limpa o estádio depois dos eventos. Isso muda muita coisa. Aqui não importa quem é a minha família, não importa meu diploma, não importa quanto eu tenho guardado no banco. Nada importa. Por isso morar fora muda as pessoas e muda a maneira como elas encaram a vida e como tratam as pessoas – do chefe ao cleaner.